quarta-feira, 13 de abril de 2011

Madrugada

Uma nova missão. Um novo destino. Essa é a vida que eu escolhi e que por ela deixei tudo para trás. Se tenho algum arrependimento? Nunca parei para pensar e não será agora que o farei...

São três horas da madrugada e acabo de chegar na cidade onde deverei passar meus próximos dias. É uma cidade pequena no interior do Goiás em que a cada passo que eu dou tenho a estranha sensação de que viajei no tempo voltando para a época do Brasil Imperial. Em minha mente imagino as pessoas que viveram por ali no passado e como passatempo crio histórias de vida para cada uma delas na tentativa de não pensar no cansaço que aos poucos batia em mim.

Tenho que encontrar um local para hospedar-me logo ou terei que passar as poucas horas que faltam para o sol nascer, naquele dia, dormindo em um banco da praça. Se bem que isso não seria algo extraordinário ou diferente para mim, já o fiz em outras ocasiões, porém acho extremamente desconfortável...

Entretanto, ao que parece, a sorte está do meu lado nessa cidade. Acabo de encontrar uma pousada com a porta entreaberta e as luzes ligadas. Bem na hora! Apesar do conforto do meu tênis, meus pés já doem devido a caminhada durante o dia até chegar ali e minhas costas pedem uma folga da minha mochila onde carrego tudo que preciso para o meu trabalho.

Bato na porta algumas vezes. Devido a falta de resposta esqueço um pouco a minha educação e a abro entrando naquele cômodo. Era uma sala bem simples e acolhedora. Em seu centro existia uma pequena mesa de madeira com um jarro de flores e tendo ao seu redor quatro cadeiras feitas do mesmo material. Observei que as paredes possuiam vários certificados emoldurados e que com certeza deviam trazer orgulho para o proprietário do local. Ao final da sala existia um balcão onde eram realizado os registros dos hóspedes e com um quadro com as chaves dos quartos e seus respectivos números. Em cima do balcão tinha uma pequena televisão (imagino que com imagens preto e branco) e atrás dele um homem dormia.

- Err... com licença! Queria um quarto, se fosse possível... - falei tentando não parecer muito grosseira com  as palavras.

O homem despertou um pouco assustado. Olhou para mim e logo sorriu acolhedoramente - imagino seja algum reflexo natural por trabalhar nessa área de hospedagem.

- Desculpe-me, estava cansado e acabei pegando no sono aqui mesmo como percebeu. Foi um dia cheio... Mas por favor, venha até aqui preencher sua ficha de cadastro. Nessa época de baixa temporada o que não nos faltam são quartos disponíveis. - falou o homem abaixando-se para atrás do balcão.

Fiz o que ele me pediu. Coloquei minha mochila no chão e esperei apoiada no balcão enquanto ele procurava  os papéis necessários para o cadastro. Em pouco tempo o homem estava de pé do outro lado, colocando um caderno de capa preta sobre o móvel e entregando-me uma folha com uma caneta.

A senhorita poderia me emprestar a sua identidade para o registro de hospédes enquanto preenche a ficha, por favor?

- Claro. - de um dos bolsos de minha mochila peguei a minha carteira e entreguei o documento pedido para o homem.

Olhei para o papel e logo vi o primeiro dado a ser preenchido. Sorri para mim mesma e escrevi naquele o nome que usava fazia um ano: Hellen Nightfall. Para mim, ele foi como uma chave trancando de uma vez por todas quem eu fui no passado e abrindo as portas dessa minha nova vida.

Continuei a preencher aquela ficha da maneira como fui instruída para que ninguém desconfiasse de quem eu era na verdade. Li todas as regras daquela pousada e, como sempre, ao final estava o campo onde eu assinaria afirmando que estava de acordo com as normas. Deixei nessa linha mais uma marca do meu recomeço: H. Nightfall, o nome pelo qual eu era reconhecida por todos no 'meu mundo'.

Entreguei o papel para aquele homem de meia idade. Ele sorriu para mim como uma forma de agradecimento.

- Tem descendência americana? - perguntou o homem com cortesia tentando iniciar uma conversa enquanto pegava as chaves do meu futuro quarto na parede.


- Não. Inglesa. - respondi gentilmente com a mentira habitual.


- Aqui estão! - falou entregando-me as chaves. - Quarto 103, irei com a senhorita para ensinar o caminho. Meu nome é Marcus e qualquer coisa que precisar só chamar.


- Mais uma vez obrigada.


Marcus era um homem de meia idade. Seus cabelos eram uma mistura entre o branco e um loiro escuro, seus olhos eram castanhos e pareciam duas contas. Acompanhou-me até a porta do quarto conforme dissera. Quando entrei ele desejou uma boa noite e saiu. 


Tranquei a porta e joguei minha mochila sobre uma mesa que existia no quarto em frente a janela de vidro que estava coberta por uma fina cortina branca. Olhei detalhadamente todo o cômodo: existia uma cama de solteiro com um lençol branco próxima à mesa, ao seu lado um criado mudo com um abajur, em frente da cama existia uma televisão sobre um suporte e um frigobar ao lado. No fim do quarto existia uma porta para o banheiro. Sem dúvida nenhuma aquilo era melhor do que o banco da praça! Esse pensamento me fez rir novamente.


Dirigi-me até a cama e sentei-me nela. Tirei meus tênis e peguei a minha adaga de prata que carregava juntamente com a bainha feita do mesmo material amarrada ao tornozelo. Coloquei a arma embaixo do travesseiro.


Agora sim posso deixar o cansaço me dominar. Joguei-me na cama e acomodei minha cabeça sobre o travesseiro de plumas. Adormeci antes mesmo de poder formular qualquer novo pensamento.